Tremendas Trivialidades – G. K. Chesterton

Gilbert Keith Chesterton escreveu bastante. Talvez poucos pensadores tenham deixado uma obra tão completa, e tão coerente, quanto ele. Tem de tudo. Romances, peças de teatro, poesia, ensaios, livros de exposição, crônicas. Tremendas Trivialidades está neste último grupo, embora de maneira um tanto quanto imprópria. Explico.

Ainda peguei uma época em que haviam crônicas nos jornais. Hoje temos aqueles textículos, em todos os sentidos, do Veríssimo. Não há espaço na modernidade para textos longos nos jornais. Aliás, os manuais de estilo para internet também aconselha que não se escreva textos longos em blogs porque ninguém vai ler _ parece que Reinaldo Azevedo, para desesepero de seus detratores, é uma saudável exceção. Pois bem, retomando, como dizia, ainda peguei a época de crônicas em jornais. Hoje não há nenhum lugar para elas; de certa forma tornou-se inadequada para nossa modernidade líquida. No máximo estudada nas escolas por professores de português preguiçosos e passada para alunos mais preguiçosos ainda. Boa parte dos nossos professores partem do pressuposto que o aluno não vai ler um livro e por isso preferem uma crônica do Drummond ou de outro de nossas referências, até porque muitos deles também não gostam de leituras profundas. Talvez por isso nossos vestibulares estejam repletos de tirinhas de jornais.

O que tento dizer, depois dessa volta, é que tenho uma boa idéia do que seja uma crônica. E se considerar todas que li até hoje, então o que Chesterton escrevia no Daily News é algo diferente, e raro. Quase que um estilo próprio. Algo parecido só fui encontrar nas crônicas, na falta de outro termo, de Gustavo Corção, um admirador confesso do inglês. Etienne Gilson, famoso medievalista, deu uma das chaves para entender Chesterton: ele disfarçava um pensamento profundo com a espiritualidade jovial de seus textos.

É esta experiência que o leitor encontrarar nos 39 textos de Tremendas Trivialidades, todos pinçados pelo próprio autor, do Daily News, e publicado no início do século passado. Um pensamento profundo desvendado a partir de observação de acontecimentos triviais do dia a dia que revelam a atenção que ele tinha com a realidade, com a vida que nos circunda. E muitas vezes com as coisas mortas.

Duas crônicas mostram bem o que estou tentando dizer.

A primeira delas, O Vento e as Árvores, mostra uma criança que tenta brincar mas é constantemente atrapalhada pelo vento. Observando o movimento dos galhos de uma árvore, ela pede ao pai que faça a árvore parar de balançar os braços para que o vento também pare. Trata-se obviamente de um erro bastante lógico para uma criança, confundir a causa com o efeito e acreditar que são as árvores que causam o vento.

Pois Chesterton acrescenta:

Nada, penso eu, poderia ser mais humano e desculpável do que a crença que são as árvores que causam o vento. Com efeito, é tão humana e desculpável que é, na prática, a crença de que aproximadamente noventa e nove de cada 100 filósofos, reformadores, sociólogos e políticos da grande época em que vivemos. Meu pequeno amigo era, de fato, muito semelhante aos principais pensadores modernos; só que muito mais simpático.

Para Chesterton o vento é a filosofia, religião, revolução, ou seja, tudo que não conseguimos ver, o espírito que sopra onde quer. As árvores são as cidades e civilizações, as coisas materiais do mundo que são sopradas para onde o espírito quer. Só sabemos que está ventando quando as árvores enlouquecem; só sabemos que há uma revolução quando os topos de chaminé enloquecem. Ninguém jamais viu uma revolução, mas os resultados da revolução. A tomada da Bastilha, por exemplo, foi a conclusão de um processo que ocorreu a partir do pensamento pois todas as revoluções começam sendo abstratas.

O grande dogma humano é, assim, que o vento move as árvores. A grande heresia humana é que as árvores movem o vento. Quando as pessoas começam a dizer que as circunstâncias materiais criaram para si sós as circunstâncias morais previnem qualquer possibilidade de mudança séria. Pois se minhas circunstâncias me fizeram completamente estúpido, como posso estar certo sequer que tenho do direito de alterá-las?

Esta última frase prativamente destrói todo falso pensador que afirma que o homem é o produto do meio e ao mesmo tempo acha que está acima deste meio. Como ele poderia saber?

Outra crônica maravilhosa, e um tanto soturna, é O Diabolista. Nele Chesterton narra uma conversa que teve uma vez com um colega da escola das artes. Este colega fazia parte de um trio de libertinos, de amorais. Sua primeira observação é que quando se encontra, como é frequente, um trio de devasos e idiotas saindo juntos, um deles não é nem devasso e nem idiota. E foi com um destes homens que teve a conversa, a que discutiram sobre coisas reais pela primeira e a última vez.

O assunto era a moral. Ao invés de atacá-la, como provavelmente os outros dois fariam, o colega simplesmente perguntou: por que se importa com a moral? Esta pergunta fez Chesterton ter a impressão inexplicável de estar sendo tentado no deserto, uma referência óbvia às tentações de Cristo pelo diabo. Prosseguindo a estranha conversa, termina com uma frase deste estranho colega, tão moderna e tão cheia de consequências: o que você chama de mal eu chamo de bem.

Mas não termina aí, o colega desce as escadas e encontra com seus dois companheiros. De longe, Chesterton narra:

E então ouvi aquelas duas ou três palavras que recordo sílaba por sílaba e não consigo esquecer. Ouvi o diabolista dizer, ” estou lhe dizendo que já fiz tudo o mais. Se fizer isso já não saberei a diferença entre o certo e o errado”. Corri para fora sem atrever-me a parar, e ao passar pela fogueira não sabia se era o inferno ou o furioso amor de Deus. (…) Desde então, ouvi dizer que ele morreu: pode-se dizer, imagino, que cometeu suicídio; embora o tenha feito com ferramentas de prazer e não de dor. Deus o ajude, conheço o caminho que trilhou; mas nunca soubre, ou mesmo ousei pensar, qual foi o ponto em que ele parou e hesitou.

Já definiram a essência de Chesterton como um tomista, não no sentido de produzir filosofia, mas de utilizar os valores expressos por São Tomás de Aquino no século XIII, mas valores imemoriais e eternos, para analisar os valores que ameaçavam se tornar hegemônicos em sua época. Tudo que escreveu, por incrível que pareça, é mais apropriado para o nosso tempo do que o seu, pois seus medos se concretizaram e hoje vivemos imersos nos perigos que via surgir. Ler Chesterton é colocar o mundo de volta ao lugar e entender porque temos tanto a aprender com os medievais e que existe uma moral eterna e imutável, no fundo de todas as civilizações.

E que vivemos em um mundo doente.

Conspiração contra a família

G K Chesterton dizia que 4 coisas conspirariam contra a família no médio e longo prazo. O fim da família é essencial para o controle social, como  Marx já entendia. Não por acaso o pensador alemão escreveu nas teses contra Feuerbach, agumentando sobre o caminho para acabar com a religião:

Porquanto, depois de, por exemplo, descobrir na família terrestre o segredo da família sagrada, cabe aniquilar a primeira teórica e praticamente. 

A mesma necessidade de dissolver os laços familiares aparece na distopia de Aldous Huxley, um dos livros essenciais do século XX, Admirável Mundo Novo. Huxley também enxergava que o controle social passaria necessariamente pelo  fim da família.

Chesterton em diversos artigos defendia que o mundo moderno caminharia para aliança de 4 instrumentos para promover o controle social, e portanto, para combater a família como organização fundamental de uma sociedade. O governo grande, as grandes empresas, a educação pública e a mídia.

Essa é a história da segunda metade do século XX e deste início do século XXI. Grandes empresas financiam os candidatos para receber de retorno os privilégios que a protegem da livre concorrência. Essa é a essência da tal terceira via, a suposta síntese entre capitalismo e socialismo. É uma ilusão achar que uma grande empresa defenda o livre mercado; não precisa. Já venceu a concorrência e quer mais que ele feche mantendo-a na posição que está. Como já disse antes, os grandes capitalistas são no fundo anti-capitalistas. 

Para manter o controle das massas, e o status quo, é necessário promover um ambiente cultural propício, que deixe o indivíduo só no mundo, sem ligações que o dê forças para enfrentar o estado cada vez maior e mais presente em sua vida. Essa é a função da mídia e da educação pública na modernidade, promover a desintegração da idéia de família, promover o amor abstrato à toda humanidade, superando o amor a indivíduos concretos. O amar ao próximo do cristianismo não interessa, é preciso amar o distante. E confiar no governo para promover esta ajuda.

A maioria das pessoas que participam deste processo nem imaginam seu papel nessa ordem verdadeiramente diabólica. Professores acham que estão promovendo a diversidade, a tolerância, o novo pensar, mas no fundo são agentes da promoção do relativismo e do niilismo. A mídia acha que está promovendo uma crítica social com a produção artística que coloca a família como uma unidade totalmente desajustada, marcada pela hipocrisia e que o indivíduo só consegue sucesso quando a supera; mas no fundo está apenas dando vazão a sua visão destorcida da realidade. 

O grande problema do socialismo, já dizia Chesterton, é que promovia a aliança entre o poder econômico e o poder político. O homem comum, e sua família, tinha em um dos poderes a defesa contra o outro. Hoje está esmagado pois ambos andam juntos, não há a quem recorrer. Mas na esmagadora maioria das vezes não tem a menor idéia disso e acha sinceramente que as grandes empresas estão em luta contra o governo. E vai feliz votar no Obama contra os 1% sem perceber que ele representa, mais que qualquer, um essa aliança. Aliás, acham que ele não faz parte do tal 1%!

Prestem atenção no que está sendo ensinado nas escolas públicas, e nas particulares também!, o que está sendo veiculado na mídia, na produção artística e cultural, no noticiário econômico. Não se trata de uma aliança consciente, não estou falando de conspiradores que se reunem para traçar planos, nada disso. Apenas quatro coisas que eventualmente se unem no mesmo objetivo, a degradação da idéia de família, numa conspiração muitas vezes inconsciente mas de grande potencial destrutivo.

Não é a toa que o cristianismo é tão combatido por todos. O New York Times já chegou a colocar em sua primeira página um convite para que o cristão abandonasse sua fé; governos grandes tendem a sufocar as instituições cristãs como demonstrou a tentativa do governo Obama em forçar hospitais católicos a promoverem métodos anti-conceptivos; a mídia paulista apoiou a iniciativa de um promotor eleitoral de fechar uma pequena gráfica que produziu em 2010 um panfleto que dizia aos católicos para não votarem em candidatos que defendessem o aborto. 

Marx estava certo, o cristianismo tem sua base na família e promove um verdadeiro suporte para a existência do núcleo familiar. Por isso é tão combatido pela modernidade. Na cabeça destes loucos o amor ao próximo é incompatível com o amar a humanidade. São incapazes de perceber que é apenas através do próximo que chegamos ao mundo e é no desajuste das famílias que se originam a esmagadora maioria dos males modernos. 

5 idéias sobre São Francisco

São Francisco de Assis

G. K. Chesterton

Terminei de ler esse bom livro de Chesterton sobre São Francisco e separei 5 idéias que retirei dessa leitura:

  1. São Francisco viveu em um mundo que após passar uma espécie de purgação para se livrar dos últimos vestígios do paganismo antigo, necessitava se compreender dentro de uma realidade cristã, que o culto à natureza não tinha mais sentido.
  2. São Francisco acreditava que a mensagem cristão deveria ser levada ao homem comum em suas realidades e não se uma simples fonte de culto dentro de Igrejas.
  3. Os monges deveriam correr o mundo e se livrar das necessidades materiais e da carne para que tivessem a mobilidade necessária. Para isso deveriam fazer votos de castidade e pobreza.
  4. O movimento iniciado por São Francisco foi fundamental para estabelecer um parâmetro de simplicidade como condição de ver uma verdadeira vida cristã.
  5. São Francisco não deve ser entendido como uma imitação do Cristo, embora o fosse. É através dele, mais próximos de nós, que devemos entender Jesus pois a vida do Santo serve como um espelho que reflete a imagem do Salvador.