Muito já se falou sobre o endividamento das famílias nesse mundo globalizado moderno. Eu mesmo já tratei aqui do problem por diversas vezes. O que pouco se comenta é sobre o aspecto moral da coisa, como se o assunto fosse exclusivo da esfera econômica.
Um dos ensinamentos do então cardeal Joseph Ratzinger que nunca esqueci foi que toda decisão econômica tem um fundamento moral. Isso não é novo, já era conhecido por Aristóteles e foi reforçado pelos escolásticos _ sempre eles!. Isso vale para nós, em nossas decisões, e vale para os que conduzem os rumos da economia mundial, empresários e sobretudo políticos.
Não é segredo para ninguém que os últimos governos brasileiros investiram pesado na facilitação do crédito para bombar a economia nacional. O consumo explodiu, milhares de empregos foram criados e criou-se uma ilusão de um círculo perfeito, onde o consumo manteria a economia sempre em expansão gerando mais empregos, mais renda e mais consumo.
Mas o mundo real não é assim. Consumir com crédito é deixar de consumir no futuro para consumir agora. Algumas pessoas argumentam que não dá para esperar chegar o futuro para poder consumir, as pessoas tem necessidades reais já.
O problema é saber o que é uma necessidade? Uma tv LCD? Um carro do ano? Endividar-se para fazer uma faculdade, criar um negócio, um curso de informática, de inglês, é uma coisa. Mas para comprar eletrônicos? Ipads? Celulares? A coisa piora muito quando se coloca automóveis e imóveis na equação. São bem caros e que se tornam ainda mais caros quando financiados.
Não se iludam com as chamadas taxas baixas dos imoveis financiados. Qualquer um que tenha estudo avaliação econômica de projetos sabe que financeiramente é mais barato morar de aluguel do que comprar um imóvel. Isso se tiver o dinheiro para comprar a vista, imagine sem o dinheiro! Mas não vou entrar nessa discussão agora, o que importa é que comprar imóvel financiado é uma brincadeira cara. Principalmente quando se pede o controle da situação.
A grande ilusão é que prestações baratas são pagáveis com tranquilidade. Uma pode ser. Mas quando se somam diversas, o resultado é uma boa dívida. Para piorar, governo, bancos e comerciantes fazem de tudo para que se compre as coisas a prazo. O resultado é o endividamente crescente, até chegar o ponto de não se ter como pagar e começar a postergar os pagamentos. É a receita para o desastre. Leiam Fausto e vão entender o que está sendo oferecidos para vocês.
Voltando ao tema moral, o que pouco se fala é o efeito que uma dívida dessas tem sobre as pessoas. Pelo Brasil afora, famílias estão sendo desfeitas, crises de depressão estão acontecendo, algumas vezes até suicídios. Sem contar com todos os efeitos colaterais que lidar com um problema desses gera no indivíduo (úlceras, gastrites, etc). O comportamento da pessoa muda, muitas vezes deixando os que estão à sua volta perplexos. Não é fácil admitir que não se tem mais capacidade de sair do buraco sozinho. O orgunho vai para o espaço.
Eu não tenho dúvidas que numa hora dessas quem melhor pode ajudar uma pessoa com um problema desses é a família no sentido amplo. Não são os bancos, governos, livros de auto-ajuda. É a boa e velha família. Feliz de quem tem a quem recorrer no momento de dificuldade.
Eu tive um momento assim há 9 anos atrás. Felizmente antes que a situação deteriorasse eu abri o jogo com minha esposa e busquei ajuda. Conversei com meu pai, pedi dinheiro emprestado para minha avó. Paguei as dívidas e fiz um acerto nas minhas contas pessoais. Cortei tv a cabo, jantares caros, presentes dispensáveis. Entrei em um período de austeridade. Logo consegui pagar minha vó e estabeleci um método para controlar minhas finanças que mantenho até hoje. As coisas melhoraram e graças a muito esforço e ajuda conseguimos sair antes que a coisa ficasse pior. Hoje a parte de prestações no meu cartão de crédito nunca passa de 300 reais.
Infelizmente nem todos possuem famílias que possam recorrer em um momento assim. A nossa cultura moderna está arrasando com a noção de família. Não há espaço para o sangue em um ambiente de relativismo cultural profundo como o que atravessamos hoje. A solução para o problema de dívida é simplesmente conseguir mais dívidas. Interessante que em um mundo em que não há certo nem errado seja considerado errado fracassar. Pedir ajuda passou a ser visto como sinal de fraqueza.
Políticos estão interessados apenas em manter a ilusão. É a economia estúpido! Bordão que usam para justificar as decisões. É preciso que as pessoas acreditem que estão melhorando de vida para continuar votando naqueles que aparecem como salvadores. Os mesmos que criam os mecanismos para o endividamento.
Governos, políticos e empresários sabem de tudo isso. Sabem que famílias estão sendo devassadas pelas dívidas. Gostaria de saber quantos divórciso se originaram em desequilíbrios financeiros profundos. Essa é uma estatística que não querem levantar. Poupar, antes uma virtude, passou a ser visto como desperdício. Precisamos de um ambiente que volte a incentivar que tenhamos sempre uma reserva para os momentos difíceis e que contrair dívidas não é uma solução válida para bens materiais. Quer aquela tv de lcd? Um ipad? Poupe até ter o dinheiro para comprá-los.
Você terá muito mais paz de espírito e esperança no futuro se souber gastar menos do que ganha. Ignore os apelos dos incautos, daqueles que só querem seu dinheiro. Paciência e prudência são virtudes, assim como a temperança.
Nem só de pão vive o homem, já dizia aquele antigo mestre. Precisamos parar de alimentar de votos os políticos com nossos estômagos. Claro que cada um tem responsabilidade pela dívida que contrai, mas aqueles que criam essas condições são ainda mais culpados. Contam com isso, precisam disso. São vampiros do juro alheio. Da dependência.
São, em suma, imorais.