Passagem para a reserva. Uma data marcante para um militar.

Um militar não se aposenta, ele passa para reserva. Como sempre digo, palavras possuem sentido _ embora muita gente tente ignorar essa incômoda verdade. Existe motivos para que se use o termo reserva e não aposentadoria; o principal, talvez, seja que sempre existe algo de temporário, embora permanente, nesse afastamento. Contraditório? Paradoxal? Claro! Mas assim são as coisas de uma carreira em que se prepara para a guerra desejando que ela nunca venha; que se treina para matar desejando nunca fazê-lo.

O militarismo é algo tão profundo que qualquer sociedade faz a divisão entre militares e civis. O próprio termo civil ganhou significado por oposição ao militar, como ensinam os melhores dicionários. Não que um seja melhor que o outro, como pretendem alguns tolos, apenas que ser militar é algo de especial e até religioso. Para o bem e para o mal.

Enfim, um militar passa para a reserva.

Ontem assisti duas cerimônias em que dois militares deram um até logo para os que ficam por mais um tempo. Como prescreve o cerimonial, é lido um elogio em que os fatos mais marcantes da vida do que se despede. Formaturas longas costumam ser chatas, mas curiosamente a passagem para a reserva é diferente; fico sempre atento tanto ao elogio como, principalmente, às palavras de despedida. É uma vida que se passa em um rápido filme, mas que para quem viveu deve ser recheada de significado emocional. Em algumas das passagens narradas, em algum momento, eu cruzei com a vida deles. Quando por exemplo cita que fulano foi professor durante 10 anos no IME, fui seu aluno! Quando cita que deltrano foi chefe de tal Comissão, estive sentado à sua frente discutindo algum assunto que me levou até lá. Todos nós de alguma forma podemos participar da vida de outro, por mais breve instante que seja. Lembro que uma palestra protocolar de um general mudou praticamente parte de minha vida. Exercemos mais influências que imaginamos.

Nessa sexta, entretanto, comecei a me colocar no lugar dos dois que estavam partindo. Um dia chegará minha vez; assim espero. Mais cedo ou mais tarde estarei em pé escutando a leitura do meu elogio protocolar, revisando minha carreira, esperando para fazer minhas despedidas. O que estarei sentindo naquele momento? Que mensagem procurarei passar para os demais? Dizem que palavras em formatura não significam nada porque ninguém presta atenção. Mentira. Existem aqueles que não prestam, embora ouçam e gravem em seus inconscientes, e outros que escutam com toda atenção e procuram tirar lições. Depois de ambos os eventos haviam pessoas comentando as principais passagens, o que demonstram que nosso poder de influência existe, embora muitas vezes não nos demos conta.

Por fim, o fato de dois oficiais terem se despedido no mesmo dia, em duas cerimônias distintas, permitiu uma comparação. Fui um dos poucos que esteve presente nas duas. Ambos entraram e se despediram no mesmo dia. Tiveram uma carreira semelhantes até certo ponto, depois se diferenciaram bastante e voltaram a ficar parecidas no final. Semelhanças e contrastes, assim é a vida humana! Justamente esse conjunto de possibilidades que nos abre a cada escolha que nos permite uma riqueza de vivências. E fica nosso legado.

Um até logo aos dois chefes que se despediram. Com certeza aprendi algo com os dois, tanto nos contatos que tivemos como nesse momento específico, talvez o mais difícil (ou não) para um militar. A passagem para a reserva.

Até a próxima!

O Silêncio dos justificadores do terrorismo

Vejam a capa da revista Placar.

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Cadê a gritaria do beautiful people? Por que essa imagem pode e um filme tosco no youtube satirizando maomé não pode? Se pensarmos bem, talvez essa imagem seja muito mais ofensiva do que aquela porcaria que só foi visto pelo mundo depois dos atos terroristas no Oriente Médio.

Ah, mas é diferente. Os cristãos não se incomodam…

Não é que não se incomodem, mas é que simplesmente não saem matando gente para mostrar que estão incomodados. Isso significa civilização, respeito à pessoa humana.

Quem quer justificar o terrorismo sempre encontra uma forma.

Mais diferenças esportivas

Como escrevi em post anterior, é interessante observar as diferenças culturais na relação com o esporte entre grande parte do mundo, incluindo o Brasil, e os Estados Unidos. Esta semana tivemos outro exemplo.

Os árbitros da NFL (Liga de Futebol Americano, o da bola oval) estão em greve. As três primeiras rodadas foram disputadas com os chamados substitutos, árbitros de ligas secundárias. Tirando algumas pequenas polêmicas, a coisa até que ia razoavelmente, apesar da chatice de escutar os comentaristas brasileiros repetindo a todo momento ” paguem as zebras!” a cada erro ou decisão discutível de arbitragem.

Até que veio o jogo de segunda, entre Seattle e New England. No último segundo a arbitragem deu a vitória para o Seattle em um Touchdown para lá de polêmico. O mundo americano literalmente veio abaixo. Políticos, atores, jogadores de basquete, enfim, todo mundo veio a público crucificar a decisão e exigir justiça. A NFL subtamente se reuniu com os árbitros em greve e hoje eles já estão de volta. Os americanos simplesmente não aceitam que um erro de arbitragem possa decidir uma partida.

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Fiquei pensando no velho esporte bretão onde erros de arbitragem definindo jogos são muito comuns. Lembro que João Havelange, ainda como presidente da FIFA, chegou a declarar que fazem parte da emoção do futebol. Geram polêmica, rivalidades, e contribuem para a exposição do esporte na mídia. Ontém fiquei sabendo que o clássico interestadual de maior público no Brasil é Flamengo e Atlético. Com certeza a imensa rivalidade gerada pelas decisões da arbitragem na final do brasileiro de 80 e na disputa da libertadores 81 foi fundamental para esses números. O brasileiro, e talvez grande parte do mundo, sabe que não é justo uma decisão de um árbrito definir uma partida, ainda mais um campeonato. Mas sabe também que a vida é assim.

Talvez alqui tenhamos uma diferença cultural importante entre dois tipos de espírito. Um que não se conforma com o que considera injustiça e quer corrigi-la; outro que aceita a injustiça como parte da vida. O futebol americano possui a organização de como um sistema deve funcionar, com todos exercendo seu papel e premiando-se o mérito. O futebol é muitas vezes o caos, com injustiças acontecendo a todo momento, seja o jogo limpo ou não.

Poderia estar aqui uma das razões pela paixão americana pela bola oval. A despeito do resto do mundo.

Verdadeiro reconhecimento

Uma mamãe me diz algo perturbador: o único reconhecimento que peço a meus filhos, por tudo que fiz, é que façam o mesmo e assim continuem.

E assim continuem… Uma verdadeira ética do devir. A outra ética mantém o mundo no lugar. Se o irmão do filho pródigo tem filhos, com segurança lhes pede reconhecimento. É o tipo de homem que mantém o mundo no lugar. (Constantin Noica)

Aqui chegamos no centro do problema do mundo ocidental hoje, a recusa em fazer o mesmo que seus pais fizeram por eles. Como pode uma civilização ser considerada feliz e ao mesmo tempo negar à vida? Sempre que alguém vem da Europa deliciado com o mundo rico e quase perfeito eu me pergunto: onde estão as crianças? Se tudo é tão perfeito, tão limpinho e fácil, por que nem com incentivo pesado pelos governos não se quer ter filhos?

Desculpas não faltam. O problema é que justamente as famílias que teriam mais motivos para criar filhos, pois possuem as melhores condições para educá-los, são as que recusam este papel. Precisam viver o presente. Pobres almas; não percebem o que estão abrindo mão. Tudo se esvanece, assim como esse presente tão importante que nos obriga a não pensar no passado e no futuro. Somos felizes com nossos irmãos, mas recusamos muitas vezes ao nosso filho único a benção que tivemos. Como nossos pais eram irresponsáveis? Colocar filhos num mundo desses?

Chesterton ensinava que para manter algo como está era preciso estar sempre renovando. Dava o exemplo da cerca branca. Deixada à própria sorte, logo perderia sua cor, mas pintada regularmente seria sempre branca. Estamos fazendo o mesmo com o mundo, estamos deixando-o à sua própria sorte. Isso que Noica quer dizer com a ética do devir. Já o irmão do filho pródigo trabalha pela ética de manter o mundo no seu lugar. Justamente por isso esse mundo terminará se degradando.

A decadência já começou e os primeiros sinais apareceram, embora sejam constantemente ignorados, computados como resultados de alguma crise econômica qualquer. Não será uma decadência lenta como esperam, será explosiva e haverá muita destruição. Prestem atenção na Europa nos próximos anos. Nunca se viu igual fenômeno na face da Terra; nunca uma civilização decidiu por suicidar-se em uma velocidade tão extrema.

O materialismo cobra seu preço.

O Lobo da Estepe (Hermann Hesse)

Ainda tentando digerir o maravilhoso livro de Hermann Hesse, um dos nobel de literatura que honram o prêmio.

Escrito em 1927, conta a estória de Harry Heller, um intelectual de meia idade em crise existencial, revoltado com o mundo e com a vida burguesa. Por acaso, conhece uma jovem que aos poucos irá mudar a sua vida, tornando-se uma espécie de consciência que desnuda os absurdos das idéias de Harry.  Pelo menos essa é a primeira impressão do livro. Pelo menos até sua metade.

Talvez a maneira mais ligeira de ler o romance de Hesse seria de uma crítica à vida burguesa. É muito mais sutil do que isso, muito mais profundo. É uma monumental reflexão sobre a relação do intelectual com o mundo, sua revolta e sua paixão por um suposto ideal de pureza. Harry é um homem decepcionado com o mundo e que expressa sua revolta contra o que chama de vida burguesa, que considera limitada e mesquinha. Embora perceba algumas de suas próprias contradições _ afinal, por mais que lute, faz parte dessa mesma burguesia que critica _ coloca-se acima de tudo isso, quase como se fosse um gênio incompreendido.

Não por acaso o ápice de sua revolta se dá na casa de um amigo intelectual, que não via há muito tempo, mas que percebe acomodado ao tipo de vida que tanto despreza. Depois de uma explosão de fúria, entra em uma casa noturna onde conhece Hermínia. A jovem, uma cortesã de luxo, mostra-se muito mais sábia do que ele, mostrando como sua revolta é pueril e patética. De certa forma, aos poucos assume o comando de sua vida e inicia uma espécie de tratamento de choque, colocando-o diante da realidade do mundo, confrontando-o com a modernidade através da dança, do amor carnal com Maria, da vida noturna burquesa. Sem querer reagir, Harry vai se deixando levar, sempre acompanhado do seu alter-ego, o Lobo da Estepe.

Mas quem é o Lobo? No início do romance, com maestria, Hesse interrompe a narrativa para apresentar o Tratado do Lobo da Estepe, que mostra o Lobo como sendo a segunda alma aprisionada na alma do próprio Harry, uma alma que viveria acima da realidade mesquinha do mundo, aprisionada na sua personalidade principal conciliatória. Ali Hesse já mostra o problema da concepção de Harry sobre o Lobo da Estepe. A alma não se dividiria em duas, mas em milhares que habitam a mesma. Difícil dizer se está falando de almas, personalidades ou papéis sociais. Talvez tudo isso junto. O fato é que Harry tem a concepção de ter um lobo aprisionado querendo sair. É este lobo que surge na casa do amigo intelectual e que Hermínia recolhe de novo ao seu lugar de cativeiro.

Tudo se encaminhar para um grande baile a fantasia, onde Hermínia enfim permitiria que Harry se apaixonasse por ele. O baile acontece e depois que todos vão embora, surge Pablo, o músico e amante de Hermínia que o convida para entrar no Teatro Mágico, aquele que a entrada custa a razão.

Aviso: quem não quiser saber do final do romance, é bom parar por aqui! Até então tínhamos uma narrativa normal, uma estória bem contada e interessante, se decidir entrar no Teatro, saiba que perderá a razão!

A primeira leitura das páginas finais de O Lobo da Estepe é uma experiência que não vou esquecer tão cedo. De repente tudo fica de ponta cabeça e penetramos em um ambiente onde realidade, imaginação, sonho, alucinação; tudo se combina e se mistura em um calderão onde a denotação dá lugar á conotação. Li estas páginas sem tomar fôlego e ao final só podia me perguntar: o que foi isso? O que aconteceu nesse Teatro Mágico? Depois de um dia de perplexidade, sentei com um marcador de texto, um caderno da anotações e comecei a tentar desvendar sobre o que Hesse estava tratando.

Que eu tinha adorado, não tinha dúvidas. Mas adorado o que? O que era aquilo? O que foi que eu li?

Longe de mim ter a pretensão de decifrar o trabalho de Hesse, gente muito mais capacitada do que eu se dedicou a essa tarefa. Inclusive evitei ler qualquer crítica ao livro para não deixar me influenciar, embora esteja ávido para fazê-lo! Aliás, li o livro sem saber do que se tratava, quase que por um impuso. Sabia que era um dos clássicos da literatura moderna e foi o suficiente para decidir por sua leitura. O que pretendo nesse texto é simplesmente passar minhas reflexões e conclusões do que foi a experiência de ler O Lobo da Estepe.

Talvez a chave para compreender a experiência de Harry dentro do Teatro Mágico seja a constatação que sua doença começa pela sua inadequação ao mundo em que vive, algo muito comum no intelectual dos anos 20. A I Grande Guerra tinha deixado marcas muito profundas nesses homens, assim como a explosão do nacionalismo. Acreditavam que o novo conflito do mundo seria entre exploradores e explorados, uma derivação da luta de classes marxista. Jamais passara pela cabeça deles que, sob a bandeira da nação, explorados e exploradores lutariam do mesmo lado contra um inimigo também formado por exploradores e explorados. Profundamente desiludidos, esses intelectuais atravessaram a década de 20 revoltados contra uma ordem burguesa que se traduzia culturalmente pela era de ouro, simbolizada pelo rádio e pelo jazz.

As palavras de Pablo quando o introduz no Teatro Mágico são as pistas para entender a experiência que Harry viveria. Segundo Pablo, a realidade que Harry buscava já estava dentro de si mesmo. A jornada no teatro destinava-se a tornar esta realidade visível e com isso reconciliar-se com o mundo. Para isso teria de se livrar de sua personalidade. Deveria deixar a razão. Talvez Hesse se referisse ao racionalismo, à vã tentativa de entender o mundo e o aprisionar em um sistema coerente e explicável.

É aqui que começa o questionamento sobre o verdadeiro lobo da estepe. Até então imaginava que era a alma revoltada querendo aflorar. Mas e se fosse o contrário? E se o lobo fosse a personalidade de Harry, ou seu papel principal, que o impedia de abrir-se para o mundo e aceitar sua realidade. Pablo mostra a necessidade do humor, que só seria possível se Harry deixasse de se levar a sério. Em outras palavras, era preciso matar o lobo. Justamente o que Harry vê ao se olhar no espelho, seu riso o havia despido do Lobo da Estepe.

Mas talvez a grande pista para o que aconteceria a partir daí seja a advertência de Pablo: o Teatro Mágico tratava de símbolos.

Através de diversas portas, todas com um aviso acima, Harry penetra símbolos de suas várias personalidades. Começa sua jornada de auto conhecimento.

Simbolo 1: Montaria de automóveis.

Na primeira porta, Harry se vê em um mundo onde automóveis atropelam os pedestres, que reagem matando os motoristas. Trata-se de um símbolo que remete a aliança do homem com a tecnologia para dominar os outros homens, pelo menos na concepção de Harry. Ao lado de um amigo de escola, que se tornaria professor de teologia, começam a matar os motoristas. Trata-se do expurgo da verdadeira natureza do pacifismo radical de Harry, e de tudo que esconde. O mesmo pacifista estava disposto a pegar em armas se acreditasse estar lutando contra a ordem que oprimia o mundo; pior, poderia fazer isso por prazer.

A indiferença com as vítimas começa a incomodar Harry, mas o amigo argumento de sua necessidade; há muitas pessoas no mundo! No meio da loucura deles, algo de racional estava sendo feito. Há um genuíno desejo de destruição do mundo escondido sobre a capa do humanismo intelectual. Harry percebe que debaixo de sua máscara se esconde coisas muito mais profundas do que uma simples revolta contra à guerra, um verdadeiro desejo de destruição que terá que lidar.

Para Harry, e talvez para Hesse, os modelos americanos e bolchevistas nada mais eram do que simplificações grosseiras da realidade que na tentativa de ordenar a vida acabavam por violentá-la. A humanidade abusava de sua própria inteligência para, com auxílio da razão, tentar ordenar coisas inacessíveis ao próprio alcance da razão.

Símbolo 2: Guia para formação da personalidade

Em outra porta, encontra a imagem de um oriental, professor de xadrez. Para que possa ensinar Harry a formar sua personalidade pede as peças, que nada mais são do que as diversas pessoas que passaram pela vida dele. Essas peças formam a personalidade pois o homem não é uma unidade duradoura, mas formado por uma multidão de egos. Esses personagens poderiam ser reorganizados em vários conjuntos diferentes, família, amigos, amantes. Depois organizados novamente, formando uma nova personalidade. O que talvez o mestre estivesse tentando mostrar a Harry era que nós éramos responsáveis pela formação de nossas personalidades à medida que organizamos essas peças a cada jogo.

A ciência tinha certa razão ao afirmar que nenhuma pluralidade podia conduzir-se sem direção, sem uma certa ordem ou agrupamento. Mas errava ao afirmar que só havia uma ordem possível. Mais uma vez critica a simplificação das correntes ideológicas, que serviam apenas para facilitar o trabalho dos educadores, mas que careciam de verdadeira conexão com a realidade.

Símbolo 3: Doma do Lobo da Estepe

Agora Harry confronta-se consigo mesmo. Inicialmente domando o logo da estepe com um chicote; posteriormente sendo domado por ele. A inversão pode indicar que começamos criando nosso logo da estepe, ou de uma personalidade, ou papel, que filtra o que podemos ver do mundo. Posteriormente perdemos o controle dessa criatura e nos deixamos dominar por ele; nosso papel se torna nossa essência, mesmo que falsa.

Símbolo 4: Todas as Mulheres Sao Tuas

Temos aqui o símbolo do retorno à juventude, mas com a cabeça da velhice. Como seria fácil viver a juventude sabendo tudo que se sabe na velhice!

Dessa forma Harry se reencontra com todas as mulheres que atravessaram sua vida, desde o primeiro amor, não correspondido, de Rosa até chegar em Hermínia. Todos os nossos amores nos formam para chegar ao definitivo, ou ao atual, que por sua vez preparará para o próximo. Será o amor uma série infinita de amores? Ou esses amores farsas pois estão sempre sendo comparados a um ideal de amor perfeito inatingível, simbolizado por Rosa.

Harry percebe que sempre amou com parte do seu ser pois sempre esteve preso pelo lobo, que simboliza o papel de poeta, visionário e moralista. É preciso matar a personalidade para ser livre para amar de verdade pois amar é se anular diante de um ser amado.

Símbolo 5: Como se Mata por Amor

Hermínia tinha dito no primeiro encontro que o dia que Harry se apaixonasse por ela, teria de matá-la. Aqui cabe falar um pouco de Hermínia.

Se inicialmente parecia uma espécie de consciência para Harry, depois creio que se revela uma alma gêmea. Ela é seu oposto, que sofre do mal. Como Harry ela não se conforma com a realidade de seu mundo, embora consiga lidar com isso muito melhor do que ele. Talvez por isso soubesse tão bem o que Harry passava. Essa morte de Hermínia poderia se referir à sua personalidade. Não é por acaso que Pablo tenha conduzido os dois ao teatro e ela se mostrasse tão estranha quando Harry. Na verdade o tratamento era para os dois!

Para que pudessem se amar, não bastava matar o lobo da estepe, era preciso matar a personalidade de Hermínia!

Mozart aparece para Harry e inicia uma reflexão sobre o papel da arte; a beleza da simplicidade. O artista que pecava por excesso terminava por ser perseguido pelos resultados de sua obra. Mozart representava o ídolo, a personalidade que reunia o que um intelectual tinha como símbolo da perfeição.

Esse símbolo talvez seja o mais difícil de tentar entender, uma espécie de preparação para o símbolo decisivo.

Símbolo 6 (ou continuação do 5): Pablo e Hermínia

Não há nome nesta porta. Nenhum aviso. Harry caminha para encontrar Hermínia e Pablo dormindo juntos.

Com um punhal mata a moça. A personalidade de Hermínia precisava morrer para que pudessem viver.

E Pablo? Seria o lobo da estepe de Hermínia? Sua ligação com a personalidade que precisava se livrar?

Entra Mozart novamente que monta um rádio e para horror de Harry começa a escutar música popular. Mostra que um verdadeiro artista tem que aprender a “ouvir” as manifestações culturais pois em cada uma delas se escondia uma raiz de arte autêntica. O orgulho de um artista era um obstáculo para se relacionar com o mundo. Isso vale para o próprio papel do intelectual. Nada vale se considerar acima das pessoas normais, da burguesia. É preciso saber ouvi-las para ver que por baixo de muitos espetáculos grosseiros ou banais se esconde nuances de profundidade, talvez os próprios valores que sejam tão caros ao intelectual.

Símbolo final: a Execução de Harry

Pelo crime de matar Hermínia, ou sua personalidade, Harry é condenado a pior das penas: a vida eterna.

Talvez muitos considerem que a jornada de Harry termine em morte, na perdição. De minha parte vejo como uma jornada de redenção. Iniciava talvez um caminho de reconciliação com o mundo, de morte definitiva do lobo da estepe. Harry enfim estaria livre para viver e aprender a rir. A vida se abria para ele, seja com Hermínia ou não.

conclusão

Dizer mais o que? Obra de GÊNIO!!!

Sei lá o que Hermann Hesse queria passar. Muitas vezes um autor atira em uma direção e acerta em outra, quer mostrar uma tese e mostra o oposto. Isso acontece muito porque muitas vezes há um conflito entre ideais e realidade. O problema, ou a sorte, é que os grandes escritores possuem uma sensibilidade espetacular para retratar a realidade, embora muitas vezes não a compreendam. O pequeno livro de Hesse é grandioso porque mostra aspectos da realidade da condição humana, sejam quais forem as teses para estes aspectos. O Logo da Estepe por si só coloca Hermann Hesse como um dos grandes da Literatura Mundial. Para sempre.

 

A Árvore Da Serra

– As árvores, meu filho, não têm alma!

esta árvore me serve de empecilho…

É preciso cortá-la, pois, meu filho,

Para que eu tenha uma velhice calma!

 

– Meu pai, por que sua ira não se acalma?!

Não vê que em tudo existe o mesmo brilho?!

Deus pôs almas nos cedros… no junquilho…

Esta árvore, meu pai, possui minha alma!…

 

– Disse – e ajoelhou-se, numa rogativa:

“Não mate a árvore, pai, para que eu viva!”

E quando a árvore, olhando a pátria serra,

 

Caiu aos golpes do machado bronco,

O moço triste se abraçou com o tronco

E nunca mais se levantou da terra!

Um falso dilema moral

Leio na uol que uma aluna de 15 anos fugiu com seu professor de matemática.

A reportagem informa:

Segundo a mídia britânica, o professor, que se casou no ano passado, havia postado um comentário em um blog em maio afirmando enfrentar um “dilema moral”.

“Há uma semana, tive de lidar com um certo dilema moral, tanto internamente quanto externamente”, afirmou.

“E a questão predominante que isso me deixou foi: Como nós deveríamos definir o que é certo ou errado, aceitável ou inaceitável?”

Como é que é? Um professor não sabe como definir o que é certo ou errado, inaceitável ou inaveitável? Claro que existe diversas situações cinzentas que nos deixa com verdadeiros dilemas na mão, mas um professor de 38 anos, casado, e uma aluna de 15 anos não se encontra em zona cinzenta nenhuma.

Quer saber onde encontrar a fonte para saber o que é certo ou errado?

Na própria consciência. Só prestar atenção.

Esse é o produto do relativismo.

Esportes e suas nuances

Como tenho assistido muito futebol americano, comecei a refletir um pouco sobre o que faz um esporte popular em um determinado país. É impressionante ver os estádios completamente lotados desde a primeira rodada do campeonato e verificar o contraste com nossa realidade no Brasil.

Não é segredo que os americanos simplesmente não conseguem compreender que o restante do mundo, inclusive a Europa, tenha o futebol como esporte mais popular, a ponto de seu evento maior, a Copa do Mundo, rivalizar com as Jogos Olímpicos. Aliás, dizem que a época do mundial é quando os Estados Unidos ficam estarrecidos com a locura do "resto do mundo".

Mas porque a diferença? Por que no Brasil temos a paixão pelo futebol bretão e os irmãos do norte são apaixonados pela bola oval?

Se pensarmos no nosso futebol, temos algumas características:

– Um jogo isolado é imprevisível. Não se trata apenas do time pior conseguir ganhar do time melhor, mas que um time pode ganhar um jogo jogando pior do que o perdedor! Para um americano, isso deve soar incompreensível. Como pode um time jogar pior e ganhar o jogo? Como fica o merecimento? Não seria uma injustiça? No futebol americano um time pior pode ganhar o jogo, mas necessariamente terá jogado melhor naquele dia específico.

– Estatísticas valem muito pouco. É fácil advinhar o ganhador de um jogo no futebol americano sem ver o placar. Basta pegar as estatísticas do jogo, jardas percorridas, corridas, posses de bola, etc. No futebol se um time chutou 1 bola no gol e o outro 20, o que chutou uma pode ter ganho! Aliás, pode ganhar sem chutar uma única bola no gol; basta ter um gol contra.

– No futebol um jogo completamente desequilibrado pode ser decidido em um único lance. Para que isso aconteça no futebol americano é necessário que o jogo seja equilibrado. Caso contrário, o resultado do jogo será construído ao longo de toda a partida.

– Um único jogador é capaz de vencer uma partida praticamente sozinho. Aliás, é capaz de ganhar uma copa! Coloque um jogador excepcional em um time, com jogadores esforçados e temos a Argentina de 86. Junte Romário e Bebeto e temos o Brasil de 94. No futebol americano, por melhor que seja, um jogador não consegue vencer sozinho. O jogo de equipe é fundamental. Cada jogador tem um papel a desempenhar e o nível de especialização chega ao absurdo. Tem jogador que nunca tocou e nem tocará na bola.

– Estratégia. É fundamental no futebol americano. No nosso, nem tanto. Técnicos medíocres, jogando na velha tática da padaria (defesa em bolo, ataque em massa), já ganharam campeonatos. Estratégia? Bola para o mato que o jogo é de campeonato.

Refletindo sobre tudo isso, não começo a pensar se o nosso futebol não é popular justamente porque é muito parecido com a vida real. Nem sempre o melhor vence. Nem sempre um bom trabalho é recompensado. Injustiças acontecem o tempo todo. Lances isolados podem definir um destino, colocar tudo a perder ou concertar o que está quebrado. Estatísticas? O impenderável pode destrui-las todas.

Já o futebol americano talvez seja o que melhor reflita a vida coorporativa tão cara aos americanos. A estratégia é fundamental para vencer. Há a divisão do trabalho, a especialização. O trabalho em equipe é chave para o sucesso. As estatísticas apontam o caminho a ser percorrido. O trabalho bem feito é recompensado no final.

São duas formas de ver a vida que se espelham na relação do indivíduo com o esporte. Ou não?

Advertência de Paulo

Tomai cuidado para que ninguém vos escravize por vãs e enganosas especulações da “filosofia”, segundo a tradição dos homens, segundo os elementos do mundo, e não segundo Cristo. (Colossenses 2,8)

Há algum tempo que me convenci que viver de acordo com doutrinas descoladas da realidade é uma forma de prisão mental que acaba por limitar completamente o indivíduo. A paste mais triste da revolta contra Deus é fechar nossa alma para a transcendência, nos limitar a algumas poucas teorias que procuram explicar o mundo por algumas proposições simples, e viver nessa limitação. Essa é uma doença puramente intelectual, mas que afeta todo o mundo porque se espalha como a peste, principalmente com a força da mídia moderna e da globalização. É a doença de gente como Eric Hobsbawn, Paul Krugman, Chico Buarque, Marilena Chauí, Richard Rorty, Luis Fernando Veríssimo. Essa gente é triste porque suas vidas são pequenas e limitadas.

Paulo usa a palavra escravizar pois é justamente esse o perigo que imaginava, até porque ele mesmo foi um escravo de idéias. Três foram os perigos apontados pelo apóstolo dos gentios.

O primeiro é as especulações enganosas da “filosofia”. As aspas são essenciais aqui; nada em suas cartas está sobrando. Sabia que existia uma coisa chamada filosofia e outra chamada “filosofia”. No primeiro caso, temos a reflexão sobre a condição humana e sua relação com o mundo e com Deus; na segundo, uma falsa filosofia mas que a ela se assemelha. A reflexão sobre o nada. Sobre o que não existe, sobre conceitos abstratos completamente desprovidos de fundamento e ligação com o real. Foi a armadilha que pegou a maior parte dos filósofos modernos e justamente por isso gerou sistemas vazios mas que até hoje geram discípulos seguidores, que tanto seduzem os intelectuais da modernidade.

O segundo perigo são os enganos da tradição dos homens. Esse perigo era muito conhecido de Paulo pois foi escravo justamente da tradição religiosa de seu tempo. Perseguiu Jesus e seus discípulos sem reflexão, baseado vagamente no que chamava de Lei. É o perigo de seguir qualquer coisa sem a verdadeira reflexão, de colocar a sabedoria de lado por algum código já estabelecido. O próprio Cristo foi enfático em dizer que não veio revogar a lei e sim para lhe dar entendimento e prosseguimento. Na parábola do Bom Samaritano, diante de um doutor da lei que o experimentava pergunta: o que está escrito na lei? Como lês? Esse “como lês” é fundamental! Cristo já mostrava que por mais clara que seja uma lei ela deve se interpretada. Esse é o perigo da tradição irrefletida, que perpetua as injustiça e enganos.

Por fim, o terceiro perigo, os elementos do mundo. Aqui temos o cientificismo, um dos produtos do materialismo que separa conhecimento de técnica e confunde o segundo pelo primeiro. Toda vez que alguém brada qua a ciência prova alguma coisa temos os elementos do mundo escravizando o pensamento. Aqui temos a real politics, o pensamento de Maquiavel, a recusa da possibilidade do homem superar a si mesmo e suas circunstâncias. O consumismo, esse outro produto nefasto do materialismo. As doutrinas panteístas que confundem o mundo com Deus; as religiões vazias de falso espiritualismo.

O pensamento intelectual de nossa época é em grande parte limitado pela revolta. Uma revolta que nos torna escravos pois impede a força libertadora de uma ligação com a transcendência, do entendimento que a realidade não é apenas o que podemos enxergar. Que nosso mundo é uma comunidade de almas, que já morreram, que vivem e que viverão. Que cada geração em uma responsabilidade com seu passado e com seu futuro. Tudo isso Paulo sabia; e por isso advertiu os colonossenses.

Nosso destino é ser livres, para isso temos que ter coragem de nos libertar das correntes da caverna. De seguir a luz e ver a realidade, mesmo que no início segue nossos olhos como aconteceu com o filósofo. Que a fé não pode ser sega, seja em Deus ou em sua negação. No fundo, o versículo de Paulo é um convite à reflexão, à verdadeira filosofia. Pobres intelectuais que movidos pela vaidade se deixam escravizar por falsas idéias e tanto mal fazem à humanidade. Já passou da hora de assumirem uma postura humilde e aprenderem com os verdadeiros mestres do passado, que sabiam há milhares de anos mais do que sabemos hoje; mas que foram capazes de nos deixar esse imenso legado para nos educarmos e prosseguirmos de onde pararam.

A única certeza

Asa de Corvo (Augusto dos Anjos)

Asa de corvos carniceiros, asa
De mau agouro que, nos doze meses,
Cobre às vezes o espaço e cobre às vezes
O telhado de nossa própria casa…

Perseguido por todos os reveses,
É meu destino viver junto a essa asa,
Como a cinza que vive junto à brasa,
Como os Goncourts, como os irmãos siameses!

È com essa asa que eu faço este soneto
E a indústria humana faz o pano preto
Que as famílias de luto martiriza…

É ainda com essa asa extraordinária
Que a Morte – a costureira funerária –
Cose para o homem a última camisa!

O poema trata da única certeza que temos na vida, a morte. Muitos filósofos já colocaram que o assunto mais relevante que temos para trarar em nossas vidas é justamente esse; tudo o mais deriva em torno da constatação que um dia morreremos.

Claro que muitas religiões colocam a morte como uma passagem, algumas inclusive são reencarnacionistas. Não importa. Pelo menos no que se refere à esta vida, a que estamos vivendo, todas sabem que morreremos. Pelo menos no sentido material do corpo. A questão da alma, se ela existe ou não, se é imortal ou não, é outra estória.

A questão da morte é tão importante que define o nosso comportamento durante toda nossa vida. E olha que a grande maioria de nós se recusa a pensar no assunto! As próprias ciências a colocam no máximo em um segundo plano, quase como se fosse uma supertição. O problema é que se colocarmos a ação humana como o centro das ciências, particularmente das sociais, e se a ação humana é em grande parte resultado de nosss crenças mais profundas em relação à morte, fica claro que temos um problema sério na abordagem dessas ciências.

Como falar de economia, por exemplo, sem levar em conta a ação humana e, portanto, da expectativa que temos em relação à morte? O simples fato de acreditar ou não em vida após a morte implica em como agiremos nas nossas decisões individuais. No entanto, economistas falam em taxas de juros, PIB, investimento, justiça social, quase como se o indivíduo não existisse ou que não tivesse vontade própria.

O mesmo acontece na sociologia, psicologia, história, etc. A ciência que lida diretamente com a questão da morte, que na verdade gira em torno dessa questão, é a religião. Ou teologia, nem sei. O fato é que ainda discutimos se deve-se ensinar religião quando talvez ela seja a questão central de nossas vidas, inclusive a decisão de não ter uma religião! (O que, por acaso, implica em ter uma religião, a da não religião).

Ser religioso é da essência do ser humano, ou seja, faz parte da nossa própria humanidade. Não é por acaso que o ateísmo tem todas as características de uma religião, assim como a ideologia. Pode-se revoltar o quanto quiser contra Deus, mas sempre haverá algo no seu lugar. A estória da humanidade é a estória da revolta e conciliação com Deus, ou seja, é a estória da religião em sentido amplo.

Por isso a questão de estudar ou religião é absurda. Tudo é religião! Tudo é teologia! A própria ciência só tem sentido quando aceitar o papel da religião no mundo, a de questão central da condição humana porque tem como base justamente a questão da morte. Qualquer pergunta que se faça sobre a morte, o que é, por que ocorre, o que significa, o que implica, só pode ser feita sob um ponto de vista religioso.

Note-se que não estou falando de religião como instituição organizada, nada disso. Estou falando de religião como aquele sentimento inato que nos relaciona com Deus, seja que tipo de relacionamento for, inclusive de rejeição. O próprio sentido de religião como religar inclui aqueles que rejeitam o criador pois só se pode religar o que foi perdido.

Para concluir, volto aos versos do poeta:

Perseguido por todos os reveses,
É meu destino viver junto a essa asa,
Como a cinza que vive junto à brasa,
Como os Goncourts, como os irmãos siameses!

Por isso é tão importante para um ateu revoltar-se contra Deus. E inútil. É nosso destino viver junto a essa asa. É nosso destino conviver com a certeza de que vamos morrer.

É nosso destino viver à sombra de Deus.