O romeno Constantin Noica no livro Diário Filosófico, publicado recentemente pela excelente É Realizações, escreve que recebeu com espanto a afirmação de uma mãe que o melhor agradecimento que poderia receber dos filhos era que eles fizessem o mesmo que ela. Completa o filósofo que esta era a ética do devir, ou seja, que mantinha o mundo em transformação.
Noica queria dizer que o melhor agradecimento que se pode dar a uma mãe é ser mãe. Não há melhor forma de agradecer os sacrifícios, cuidados e preocupações de quem fez o melhor que pode por nossa pessoa do que sacrificar, cuidar e preocupar com outra pessoa. No momento que seguimos os passos de nossos pais, repetindo e procurando ampliar a abertura para a vida que tiveram é que nos fazemos dignos de tudo que nos deram.
Mas o irmão do filho pródigo não pensa assim. Ele quer o reconhecimento dos filhos, que estes sejam gratos por tudo que fez.
Para quem não lembra, a parábola do filho pródigo conta a estória de dois irmãos. O mais novo exigiu sua parte da herança e caiu no mundo, literalmente torrando todo seu dinheiro. Sem nada e arrependido retorna para casa e implora ao pai que o receba como o mais humilde de seus empregados, pois não era mais digno de ser chamado de filho. O pai se alegra e o recebe com festa. O irmão do filho pródigo, que estava no campo, fica sabendo do acontecido e se revolta. Durante todo o tempo ele esteve ao lado do pai, cumprindo seus deveres, por que justo o irmão que tinha abandonado tudo era recebido com festa?
Então, lhe respondeu o pai : Meu filho, tu sempre estás comigo ; tudo o que é meu é teu.
Entretanto, era preciso que nos regozijássemos e nos alegrássemos, porque esse teu irmão estava morto e reviveu, estava perdido e foi achado .
Noica usa constantemente a figura do filho pródigo e seu irmão para ressaltar dois tipos de comportamentos humanos. O primeiro é o homem comum, que erra e acerta, mas que se arrepende de seus erros e busca melhorar. É o homem que não teme o mundo, embora seja um tanto imprudente, que ama, briga, chora, ri, ou seja, como a maioria de nós. O outro, um tanto soturno, é o irmão do filho pródigo. Um homem que evita o mundo por se achar superior a ele, que se coloca em uma situação de iluminado, pretendendo conhecer todas as situações humanas e sempre pronto para julgar as pessoas por seus erros.
É justamente a ética deste homem que mantém o mundo em seu lugar, ou seja, na iniquidade. Seu dogmatismo é estéreo em realizações pois se move pela vaidade, o maior dos pecados como ensinava Paulo. Para ele, os filhos devem ser gratos pelos seus sacrifícios, quando os possui, ressalta despretensiosamente e de forma certeira Noica. Na maioria das vezes ele se fecha à vida pois acredita em alguma causa ou simplesmente um estilo de viver que simplesmente não tem lugar para o instinto natural de reprodução que todos nós temos.
No dias das mães, que se comemorou neste domingo, independente da natureza comercial que se transformaram estas festas, vale o agradecimento a elas que tanto nos deram. Mais vale a reflexão também, estamos dispostos a realmente agradecer? A repetir o exemplo que recebemos?
Minha mãe teve três filhos. Agradeço pela oportunidade que me deu neste mundo e aos dois irmãos que me deu. Seguramente minha vida seria muito menos rica sem eles. Quando contemplo meus três filhos brincando penso que todo este tal de sacrifício que tanto se fala é um dos mitos modernos. A alegria que recebo deles a cada dia é infinitamente superior a qualquer restrição que tenham me dado.
Espero, sinceramente, que um dia eles agradeçam sua mãe com o maior agradecimento que podem nos dar. O dom da vida.